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Felipe Zmoginski

O Google só tem a ganhar ao retornar à China

Felipe Zmoginski

21/08/2018 04h00


Placa em antigo prédio do Google: eles vão voltar

O segredo de polichinelo está desfeito. Esta semana, funcionários do Google contaram, anonimamente, ao "New York Times" e ao "The Intercept" o que até as bicicletas coloridas de Mountain View já sabiam: o Google acertou sua volta à China.

De acordo com as fontes do "Times" e do "Intercept", Sundai Pichar, executivo-chefe da empresa, e seu fundador, Larry Page, reuniram-se com um grupo de funcionários da companhia americana para tratar abertamente do projeto DragonFly, que já soma 1.400 colaboradores trabalhando em tempo integral na estreia do engine de buscas do Google em chinês.

As críticas à decisão do Google são muitas. A mais recorrente é que o Google vai se macular ao ceder à censura chinesa. A segunda é que a empresa terá dificuldades para tornar-se líder por lá, como o é nos outros mercados em que atua.

Ambas críticas procedem, mas são ridículas. De fato, como qualquer empresa que opera na China, o Google deverá submeter-se às regras de Pequim, que com 100% de certeza, dia sim, outro também, pedirá gentilmente ao Google que deixe de indexar este ou aquele resultado em seu buscador. Atender a estes pedidos, de forma transparente, é melhor do que a entregar dados de usuários "suspeitos" à Washington, como revelou-se no escândalo Snowden/NSA.

Já sobre "ser difícil" alcançar a liderança na China, bem, eu diria que é impossível.  No passado, quando a internet chinesa não tinha líderes consolidados, o Google chegou a 12% de market share em buscas no país, não há porque imaginar que, agora, em um cenário mais difícil, ele caminharia para a liderança.

Na China, os métodos de aquisição de usuários têm muito mais a ver com acordos com fabricantes de hardware e distribuidores de software do que com a qualidade de um produto. É uma lógica diferente e com a qual o líder local, Baidu, e os players secundários, Qihoo e Sogou, da Tencent, estão muito mais bem articulados.  A integração que os players chineses oferecem com mapas, compras online, entrega de comida, tudo joga a favor deles. E contra o Google.

Apesar disso, se voltar a ter 12% de market share em um mercado de 700 milhões de internautas e bilhões de dólares em publicidade digital, isto representará um significativo crescimento para a companhia que praticamente já esgotou seu potencial de crescimento nos mercados Ocidentais.  Além disso, ao firmar um pé na China com seu DragonFly, a companhia muito provavelmente será capaz de vender, no médio prazo, suas soluções de inteligência artificial, automação e pacotes corporativos.

A companhia poderá, ainda, faturar com serviços oferecidos aos milhões de estrangeiros que visitam (ou vivem) na China e certamente migrarão para o serviço americano tão logo possam livrar-se dos mapas e ferramentas em língua chinesa.

É preciso ser muito arrogante para considerar ser um "mal negócio" ser "apenas" o segundo colocado em um mercado colossal como a China. Pelo visto, Larry Page e Sundai Pichar não têm a mesma soberba de seus críticos.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.