Topo

Felipe Zmoginski

Filme sucesso na Netflix revela problemas de um mundo dominado pela China

Felipe Zmoginski

25/09/2019 04h00


Americanos e chineses sofrem com as transformações tecnológicas do trabalho

O documentário "American Factory", que estreou na Netflix há poucos meses, já figura na lista dos vídeos mais vistos na plataforma em sua categoria, nos Estados Unidos. A história narra a trajetória de uma planta fabril da General Motors, na cidade de Dayton, em Ohio, que vai à falência no final de 2008, lançando 10 mil trabalhadores nas estatísticas do desemprego.

A esperança para as famílias operárias de Dayton ressurge quando o grupo chinês Fuyao compra as instalações da GM, na esperança de ganhar participação do multibilionário mercado automotivo norte-americano. A visita do chairman da Fuyao a Dayton é celebrada pelos trabalhadores e oportunamente explorada pelos políticos locais, que até batizam uma rua da cidade com o nome do investidor chinês.

O dia a dia da operação, no entanto, revela como será difícil a adaptação das companhias ocidentais (e seus trabalhadores) à nova ordem mundial, em que os players chineses apresentam progressiva dominância sobre corporações estrangeiras  sem, no entanto, se prepararem para lidar com as diferenças culturais dos mercados em que entram.

Em uma passagem de forte poder simbólico, um supervisor chinês surpreende-se ao ser informado por seu chefe, também chinês, de que ele não pode obrigar os subordinados norte-americanos a fazer horas-extras sem remunerá-los.

O relacionamento entre trabalhadores chineses sem cultura sindical e habituados a toda sorte de sacrifícios em nome de sua corporação é permeado por momentos genuinamente comoventes, em que asiáticos e norte-americanos conseguem, ainda que momentaneamente, compreender o ponto de vista de seu parceiro estrangeiro.

Nos Estados Unidos, o documentário foi recebido com elogios (e prêmios) pela crítica, e tornou-se um sucesso de público, possivelmente interessado em compreender melhor como pode ser seu futuro, com um chefe chinês a quem se reportar. A percepção da opinião pública americana é de que os métodos chineses são inaceitáveis, mesmo no contexto americano, um país de modesta tradição trabalhista e forte viés liberal.

Ao mesmo tempo em que elevam a produtividade, os chineses também fazem crescer os acidentes de trabalho e geram uma piora no clima organizacional, com demissões frequentes.

Na China, país que não possui operação da Netflix, são muitos os chineses que baixam o documentário em sites de torrent e P2P. Os comentários dominantes nos fóruns de discussão online locais são de que, afinal, é melhor um mundo em que os trabalhadores tenham direito ao descanso, à proteção de sua saúde e ao tempo livre para conviver com a família, ainda que isto custe ser menos competitivo.

A dramática interação entre chineses e norte-americanos tem o mérito de mostrar, aos chineses, que seu estilo de trabalho não pode ser replicado em sociedades com classes trabalhadoras mais livres e conscientes. Do mesmo modo, é didático ao demonstrar aos americanos que sua liderança como potência econômica esmaece frente a ascensão chinesa.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.