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Felipe Zmoginski

Visitamos a WeDoctor, empresa chinesa que substitui médicos por algoritmos

Felipe Zmoginski

27/11/2019 04h00

Sede da WeDoctor, em Hangzhou: tecnologia eleva produvidade dos médicos

Assegurar o acesso de pacientes a médicos e hospitais é uma tarefa que desafia governos e empresas privadas ao redor do mundo. Desde países como o Brasil, que oferecem um sistema único (e super lotado) de saúde pública até nações como os Estados Unidos, em que o custo do tratamento privado pode ser proibitivo para parcela da população, encontrar uma solução para que todos possam ter cuidados médicos é uma questão sem resposta satisfatória.

Na China, país em que a população supera 1,4 bilhão de pessoas, a missão torna-se ainda mais complicada. Há dois anos, porém, a WeDoctor, uma startup com sede em Hangzhou, cidade próxima a Xangai, se propôs a adicionar consultas virtuais e testes de sintomas por algoritmos para tentar equilibrar a demanda por serviços de saúde com a capacidade de clínicas e hospitais.

Avaliada em US$ 6 bilhões, a WeDoctor nasceu como um aplicativo de agendamento de consultas, como tantos outros que existem no mundo, e evoluiu para uma espécie de plano de saúde high-tech.  Para usar o WeDoctor, é preciso pagar uma mensalidade que é mais baixa que planos tradicionais, variando entre valores equivalentes a R$ 80 e R$ 150 por mês.  Bem menos do que você paga pelo seu plano no Brasil, aposto. A presença nacional do WeDoctor permite que eles atendam, potencialmente, quase um bilhão de pessoas.

Birch Bai diz que tecnologia permite WeDoctor cobrar mensalidades mais baixas (Foto: Felipe Zmoginski)

De acordo com Birch Bai, diretor de investimentos da WeDoctor, que me recebeu na sede da empresa, na China, o valor reduzido deve-se, entre outros fatores, à adição de tecnologia no atendimento.  Pessoas com mal-estar diversos, como dores de cabeça, enjoos, resfriados e quadros febris são atendidas, em primeira linha por um algoritmo, que avalia seus sintomas e realiza a triagem. Nesta etapa, é possível descartar quadros simples, que não exigem uma visita a um pronto-socorro.

Se o paciente quiser, no entanto, pode conversar com um especialista por vídeo-conferência ou dirigir-se a uma clínica de pronto atendimento… sem médicos! Nestas clínicas, um enfermeiro, cuja mão de obra é sensivelmente mais barata que a de um médico, afere pressão, examina a garganta e realiza outros tipos de testes, todos monitorados em tempo real por um médico remoto, que pode determinar se o paciente deve ir a uma consulta presencial ou não.

"Esta descentralização do sistema e o uso de consultas remotas permite deixar hospitais e clínicas menos lotados e reduzir a pressão sobre a infraestrutura de saúde, sem prejudicar o paciente. Na verdade, há até um ganho para o paciente, que pode consultar-se com rapidez com um especialista, ainda que este esteja do outro lado do país", afirma Birch Bai.  A solução é especialmente eficaz para atender a população das pequenas cidades chinesas, que não contam com corpo médico especializado.

Estação para atendimento virtual: médico recebe dados em tempo real (Foto: Felipe Zmoginski)

Na China, país em que não existe sistema gratuito de saúde, soluções como as do WeDoctor estão incluindo centenas de milhões de pacientes no sistema de cuidados médicos. De acordo com Bai, o grande ganho que plataformas tecnológicas podem oferecer, no entanto, está na prevenção e na detecção precoce de enfermidades.

O fato de todos os dados do paciente estarem integrados em um único app permite que consultas preventivas e check-up regulares sejam controlados pelo app. O paciente que não realiza os exames de check-up pode ser penalizado com o aumento de custo de seu seguro. Na prática, a ideia é forçar os pacientes a terem um cuidado regular com sua saúde, evitando que doenças simples se agravem, o que é bom para o paciente e para o sistema de saúde, já que tratar doenças diagnosticadas em seu início é mais efetivo e (muito) menos custoso.

Os dados coletados também direcionam o disparo de conteúdos para os usuários da plataforma, como dicas de alimentação para pessoas com diabetes e cuidados especiais para cardíacos. "Se os pacientes tem a informação correta sobre sua saúde, podem prevenir muitas ocorrências médicas, o que também impacta na redução de custos para o sistema de saúde", afirma Bai.

O uso de tecnologia se dá até na oferta de medicamentos, que podem ser retirados em totens de auto-atendimento, mesmo para medicações controladas, como mostra o vídeo abaixo.

Em todas as áreas, a ordem é reduzir custos para ampliar o acesso médico da população.

Naturalmente, as soluções da WeDoctor não são plenamente replicáveis fora da China, já que há poucas regiões no mundo com a mesma densidade demográfica e, sobretudo, em que a legislação local libera, por exemplo, consultas virtuais e processamento de dados médicos por algoritmos de inteligência artificial.  Na China, país em que o ambiente regulatório abraçou a inovação e a gigantesca população pressiona por soluções de massa para a saúde, no entanto, a WeDoctor é um fenômeno.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.