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Felipe Zmoginski

Reconhecimento facial será obrigatório para usar smartphone na China

Felipe Zmoginski

04/12/2019 04h00

Multidão é avaliada por algoritmo de reconhecimento facial (Wikimedia Commons)

Uma nova regulação, aprovada na China esta semana, exigirá que todos os usuários de telefonia móvel no país registrem sua biometria facial ao comprar um novo SIM card. A lei apenas formaliza o que já vinha acontecendo na prática, já que além de solicitar documentos pessoais, operadoras como China Mobile, China Telecom e Unicon já pediam que o usuário registrasse seu rosto em uma câmera.

O controle para identificar usuários de internet mobile tornou-se mais rigoroso nos últimos 4 anos. Até 2014, quando eu viajava para a China, era possível comprar um SIM card em bancas de jornal na rua. O vendedor fazia um cadastro falso em um sistema online e o chip começava a funcionar em minutos. Nos últimos anos, porém, a regulação baniu este tipo de venda e comprar um SIM card passou a exigir levar o passaporte (no caso de estrangeiros) ou o documento de identidade em uma operadora telefônica.

Em setembro deste ano, quando entrei na China, ao comprar um SIM card, além do passaporte, solicitaram a mim o registro de minha biometria facial. O atendente, além de te fotografar, faz pequenos vídeos e pede que você vire o rosto em múltiplas direções. Estrangeiros têm também sua biometria das mãos capturadas na imigração. É um ato obrigatório para entrar no país, assim como os Estados Unidos coletam os mesmos dados quando aplicamos para um visto americano.

Oficialmente, o departamento de telecomunicações da China informou que a medida é necessária para impedir fraudes online e ampliar a cibersegurança de empresas e pessoas que vivem na China.  A justificativa é verdadeira, mas não revela toda a verdade.

De fato, o uso de reconhecimento facial bem como outras formas de identificação online torna a internet chinesa um ambiente digital mais seguro. A mesma tecnologia tem sido efetiva para diminuir a criminalidade nas ruas, hoje entre as mais baixas do mundo, comparáveis a de países como a Suíça, com a diferença de que a China tem uma população muitíssimas vezes maior.

Usuário paga café por reconhecimento facial na rede Luckin Coffee (Divulgação)

Também é verdade, no entanto, que os fóruns de internet são, ainda, um dos poucos espaços de contestação ao governo chinês e suas políticas.  Em uma sociedade em que a mídia é controlada e espaços para debates públicos muito restritos, o anonimato em fóruns é um espaço possível para criticar o governo e falar de… política.  Acusações de corrupção e críticas ácidas são, de tempos em tempos, removidas do ar pelos sites que as hospedam e os autores investigados.

Certa vez, um amigo chinês comentou comigo que ele mesmo foi abordado por um agente do governo para explicar uma postagem controversa. "Eles te convidam para tomar chá e reforçam o que é permitido ou não fazer online. Evidentemente, reincidentes podem sofrer punições mais graves, como a prisão", contou-me.

O uso de tecnologias de reconhecimento e vigilância é especialmente criticado na província de Xijiang, região em que os uigures, etnia asiática de religião muçulmana, são maioria. No passado, grupos desta etnia promoveram atentados em Pequim, reivindicando independência.

O uso para fins de repressão é potencial a qualquer nova tecnologia e os limites éticos da captação em massa de biometria facial é um debate acalorado no mundo todo. Empresas chinesas como ZTE, Dahua e China Telecom, por exemplo, são especialmente ativas junto a organismos internacionais, como as Nações Unidas, para criar um marco legal internacional para o uso de reconhecimento facial.

Na China, no entanto, as regras estão dadas e, basicamente, é impossível viver sem ceder imagens de seu rosto para órgãos públicos. Com os benefícios de segurança e conveniência advindos disso, bem como com os inegáveis riscos à privacidade e liberdade individual.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.