Bloqueio ao WeChat impacta iPhones na China? Depende do que Apple fizer
No início de agosto, o valor de mercado da Apple bateu US$ 1,88 trilhão. O número astronômico para uma empresa privada é superior ao PIB do Brasil, que apesar dos recentes anos de crise, permanece entre as dez maiores economias do mundo. Em 2019, o PIB brasileiro fechou em US$ 1,84 trilhão.
A Apple é, por tanto, um dos ícones do sucesso e da inovação americana, seduzindo usuários em todos os continentes.
Parte do sucesso acionário da Apple deve-se ao parque fabril chinês. Por produzir na Ásia, com condições favoráveis de logística, impostos e produtividade, o custo de um iPhone ou iMac é sensivelmente mais baixo do que, por exemplo, se tal processo fosse executado nos Estados Unidos.
Trazer a fabricação de iPhones para a América do Norte, aliás, foi uma promessa de campanha de Trump, em 2016. Nunca cumprida, registre-se.
Segundo a consultoria IHS Market, a fabricação nos Estados Unidos faria o custo final de um iPhone dobrar, impactando drasticamente as gordurosas margens de lucro da Apple e, por consequência, sua participação de mercado e valor acionário. De acordo com a IHS, as fábricas chinesas adicionam, em média, entre US$ 5 e US$ 7 em custo por montar iPhones em suas plantas em Shenzhen. É o custo mais competitivo do mundo.
Não bastasse a dependência da Apple do parque fabril chinês para manter seu nível de lucratividade, o país asiático é também um dos maiores consumidores de produtos da maçã. De acordo com números do Statista, a depender do trimestre, a China sozinha responde por até 18% do faturamento global da Apple.
A China é um dos mercados mais competitivos para venda de smartphones, com marcas locais como Xiaomi, Oppo e Vivo lutando bravamente pela preferência do consumidor. A gigante Samsung, por exemplo, está reduzida a 1% de market share na China, incapaz de competir em features e preço com os players locais. A exceção estrangeira neste ninho é a Apple, um ícone tecnológico e de status entre os chineses, que fazem enormes esforços para comprar um iPhone.
As crescentes ameaças de bloqueio a aplicações criadas por empresas chinesas, como o caso do TikTok, da ByteDance, e do WeChat, da Tencent, lançam mais sombras sobre o futuro da Apple.
Esta semana, Ming-Chi Kuo, um respeitado analista da consultoria financeira KGI Securities, publicou um estudo, no site AppleInsider, projetando quedas de 30% nas vendas globais de iPhone, caso o bloqueio a apps chineses como o WeChat se verifiquem em 20 de setembro. A data é uma espécie de "deadline" imposto pelo governo Trump para que a BiteDance ceda o controle do TikTok para uma empresa americana. A compradora mais provável, em caso de venda, seria a Microsoft.
Quem conhece a China, sabe que é impossível viver lá sem WeChat. É uma espécie de "app essencial" que virtualmente toda população economicamente ativa utiliza. O WeChat é (ao lado do AliPay) o meio de pagamento mais popular, a rede social mais usada, o método de entrada no e-commerce mais comum.
Com o advento da covid-19, o app é usado pelo governo local até para medir a saúde das pessoas, e ter uma conta ativa do WeChat é essencial para poder obter "autorização digital" de entrar em shoppings e restaurantes, o tal QR de saúde, explicado em outro post aqui. Enfim, se não houver WeChat na App Store, não faz sentido nenhum ter um iPhone e mata-se o (lucrativo) mercado chinês. Um tiro no pé.
Nas contas de Kuo, o tamanho do tombo com o banimento dos apps chineses seria de 30% nas vendas do telefone da Apple. As consequências em torno de toda a cadeia de produtos Apple, como acessórios, serviços de nuvem, streaming e outros produtos seriam proporcionais.
A projeção de Kuo, no entanto, leva em conta um banimento em todas as Apps Store da Apple no mundo, cenário improvável. Se Trump determinar o bloqueio ao WeChat, por exemplo, deve fazê-lo para contas americanas da App Store.
Ação similar ocorreu, recentemente, na Índia, país que vive um conflito fronteiriço por uma região chamada de Lakah, na fronteira com a China. O governo chinês reivindica soberania sobre Lakah e, em retaliação, a Índia determinou um bloqueio de mais de 80 apps chineses no país. A Apple, por óbvio, o fez apenas em contas indianas, sem indispor-se com o multibilionário mercado chinês.
Em qualquer cenário, no entanto, a cruzada trumpista contra a China, às vésperas da campanha eleitoral americana, não deve trazer boas notícias para o acionista da Apple. No mundo das retaliações comerciais, a regra predominante é que todos perdem.
O Brasil, imerso em crises variadas e com seu PIB embicando para uma queda histórica de mais de 6% em 2020, pode ter a modesta alegria de poder (voltar) a valer mais que a Apple, se o mercado precificar as pataquadas eleitorais do candidato à reeleição nos Estados Unidos.
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