Topo

Felipe Zmoginski

O plano chinês para ser líder mundial em inteligência artificial

Felipe Zmoginski

21/03/2018 04h00

Wikimedia Commons
Auxílio inesperado: erros de Trump auxiliam tarefa chinesa

Designed in California. Assembled in China. A frase cunhada no dorso dos iPhones vendidos no mundo todo definiu por muito tempo o papel das duas maiores economias do mundo no tabuleiro da economia digital. Os Estados Unidos oferecem os cérebros e a China os músculos. Nada mais ultrapassado.

Há cinco anos, a China superou americanos, japoneses e alemães no registro de patentes de tecnologia, conforme atesta o IIPI, órgão internacional de propriedade intelectual. Gigantes como Alibaba, Tencent e Baidu aplicam seus melhores esforços para dar à nação asiática a liderança na próxima grande revolução tecnológica: as soluções de inteligência artificial (IA).

Dominar o cenário de IA, concordam especialistas de Harvard a Tsinghua, a a mais prestigiosa universidade de exatas da China, será mais ou menos como ter a máquina a vapor quando o resto do mundo movia-se à tração animal. É a nova revolução industrial, que fará carros deslocarem-se sozinhos e robôs substituírem atendentes, médicos e advogados, não necessariamente nesta ordem, registre-se.

Quando não é mais inventiva, a China copia. No início de 2018, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos apresentou queixa à Organização Mundial do Comércio acusando a China de causar US$ 1 bilhão em perdas às suas empresas pelo "furto" de tecnologias proprietárias. Copiar é certamente um método reprovável, mas tem funcionado.

Eric Schmidt, ex-chairman da Alphabet e ex-CEO do Google, já jogou a toalha.  Em entrevista à publicação britânica The Economist, Schmidt afirmou que "a China vai superar os Estados Unidos em IA até 2025".  O governo chinês é mais modesto. Prevê ultrapassar os americanos em 2030. Por enquanto, a vantagem ocidental é enorme. Empresas privadas dos Estados Unidos empregam 800 mil pessoas no setor de AI. Na China, este número é de "modestos" 60 mil. Mas aí é que entra o papel do Estado.

Nos Estados Unidos, o investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D) é de 0,6% do PIB desde 2015.  Na China é de 2%. Trump já anunciou que, para 2019, reduzirá em 42% este montante, bem como prevê dramáticos cortes orçamentários em tudo o que não for defesa até 2028.  A diplomacia de Trump está dificultando, ainda, a contratação de imigrantes talentosos. Mentes brilhantes das melhores universidades da Índia, Paquistão e Cingapura têm encontrado mais facilidades em trabalhar para empresas… chinesas.


Biblioteca da Tshinghua: atração de talentos estrangeiros

Com as maiores reservas internacionais do mundo, estimadas em US$ 3,3 trilhões, a China tem um projeto público de apoiar inovações em IA. Eles têm ainda mais dados para analisar e processar (são 800 milhões de pessoas conectadas no mercado doméstico) e dominam a cadeia de suprimentos para fabricação de hardware, outro pulo do tigre para ter a liderança em IA.

Sabemos que os processadores atuais são modestos para aplicações de IA realmente eficientes, aquelas capazes de fazer traduções de idioma de forme fluente, por exemplo. A Universidade de Tsinghua, no entanto, rivaliza com Intel e IBM nas pesquisas de chips quânticos, os super processadores do futuro.

"Se pensarmos no papel que tivemos em revoluções tecnológicas do passado, estamos hoje em condições privilegiadas e nos movendo mais rápido que nunca", afirmou em explícito tom de desafio Shoui Yin, vice-reitor da Tsinhua em entrevista à MIT Tecnological Review. Com melhor hardware, melhor software, mais dados, mais investimentos e acesso a mais talentos, a China terá todos elementos para desafiar os Estados Unidos de Trump, que atua na contra mão, cortando investimentos e restringindo a atração de imigrantes.

Ao contrário da China, que aprovou uma emenda que permitirá a seu presidente, Xi Jinping, permanecer indefinidamente no poder, os Estados Unidos têm a vantagem de poder trocar seu chefe do executivo daqui a três anos por alguém que, enfim, decida investir no que, de fato, faz as nações serem "great": ciência, educação e tecnologia.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.