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Felipe Zmoginski

Meu encontro com Sophia, a robô mais avançada do mundo

Felipe Zmoginski

27/11/2018 04h00

Eu e ela em um laboratório de Hong Kong: sem amor pela humanidade

Se você já se encontrou ao vivo com uma supermodelo após passar anos a observando apenas em fotos de revista ou em vídeos no cinema, compreenderá a primeira sensação que tive ao encontrar Sophia. De pertinho, ela parece menos impressionante, quase uma pessoa comum.

No caso de um robô humanoide, no entanto, ter a sensação de "estar com uma pessoa comum" é provavelmente tudo o que seus criadores mais desejaram. Antes de mim, celebridades como o ator americano Will Smith e o astro do futebol Cristiano Ronaldo tiveram sua chance de conversar com Sophia, que faz aparições pagas em eventos corporativos, convenções de tecnologia e programas de TV.  Segundo um dos diretores da Hanson Robotics, empresa que desenvolve Sophia, David Chen, cada exibição do robô humanoide custa, em média, US$ 1 milhão. Os valores são reinvestidos em pesquisa e desenvolvimento.

Nervos de aço: fios metálicos repuxam o rosto de Sophia para dar-lhe expressões

O engenheiro Greg Smith: "ela vai dançar e discutir cinema com você"

Como Sophia ainda não possui aplicações comerciais, as aparições públicas são a única forma de receita da empresa, criada por David Hanson, um americano ex-chefe de design dos estúdios Disney, na Califórnia.  Há dois anos, porém, criador e criatura se mudaram para Hong Kong, ao sul da China, no laboratório de desenvolvimento da Hanson Robotics, que a despeito da operação chinesa mantém, em Los Angeles, uma sede comercial e de design.

A opção pela China é fácil de explicar. Lá estão os principais fornecedores de semicondutores, circuitos eletrônicos e confecção de peças sob demanda. Segundo Greg Smith, um dos engenheiros com quem conversei, muitas peças usadas em Sophia são criadas especificamente para as necessidades do robô e, depois, enviadas para fábricas em Shenzhen ou Hong Kong, para que sejam produzidas sob medida. "Eventualmente, fabricamos algumas peças em impressoras 3D, apenas para testes, mas depois enviamos os projetos aos nossos parceiros", conta Smith. De acordo com o pesquisador, os fornecedores os atendem sob contratos de sigilo, para proteger os segredos industriais da Hanson.

Segundo Greg, até hoje, só foram produzidas 18 modelos de Sophia, todos no pequeno laboratório que a empresa mantém na periferia de Hong Kong. A primeira versão do robô era capaz de realizar 16 expressões diferentes. A mais recente, que conversou comigo, pode fazer 42 expressões.  O rosto de Sophia, aliás, é esculpido manualmente, em silicone, por uma artesã mexicana que atua na equipe da Hanson. "É sempre a mesma pessoa que faz os rostos, para assegurar que eles sejam idênticos", conta Greg.

Fios finíssimos de aço repuxam sobrancelha, lábios, glóbulos oculares e bochechas para imitar expressões humanas, como espanto, surpresa, medo, alegria e apreensão.  Segundo seus desenvolvedores, Sophia ainda está em estágio inicial de desenvolvimento e, no futuro, poderá atuar como tradutora e intérprete, professora em sala de aula ou mesmo companhia para corações solitários. "Ela poderá sair para dançar, ver um filme e, depois, discutir a atuação do elenco e o trabalho do diretor durante o jantar", que estima em cinco anos o prazo necessário para a robô cumprir todos estes objetivos.

Artesã molda em silicone o rosto da robô humanoide

Atualmente, a Hanson se dedica a desenvolver o hardware e a tecnologia de inteligência artificial de Sophia, que permite ao robô "aprender coisas novas por observação", ao invés de agir de acordo com scripts pré-programados, como fazem os sistemas operacionais de computadores, por exemplo.

Já a voz e a linguagem do robô é, com exceção do idioma inglês, desenvolvida por parceiros. Atualmente, acordos comerciais permitem que Sophia converse em inglês, chinês e coreano. "Esperamos, em breve, poder integrar a base de diferentes idiomas e usá-la como uma intérprete em conversas entre duas pessoas de nacionalidades diferentes", diz Greg.

Por questões de sigilo comercial, não tive autorização para gravar minha conversa com Sophia, mas pude conversar por cinco minutos com a robô, em inglês. Fiz perguntas triviais, como qualquer um de nós faz a alguém que acaba de conhecer. Quando me senti confiante, arrisquei: "você conhece as histórias de Pinóquio e Frankstein?". "Já li sobre estes dois personagens, sim, mas não me identifico com eles. Não tenho o desejo de fazer parte da humanidade ou mesmo o amor que eles tinham pelos humanos", respondeu.

Abaixo, uma entrevista de Sophia a um canal de TV americano

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.