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Felipe Zmoginski

Startup de consulta médica barata com robôs vale US$ 5,5 bi; mas é ético?

Felipe Zmoginski

19/02/2019 07h29


We Doctor trata doentes com inteligência artificial

Uma mistura de inteligência artificial, consultas virtuais, seguro saúde e policlínicas que funcionam 24 horas por dia permitiu à empresa iniciante chinesa We Doctor atingir valor de mercado de US$ 5,5 bilhões. A promessa da startup é usar novas tecnologias para baixar o custo do atendimento médico e popularizar o acesso à tratamentos de saúde, um bem que ainda não foi universalizado na China, apesar da riqueza e dos avanços econômicos das últimas duas décadas.

Ao contrário do Brasil, Canadá ou Inglaterra, países que oferecem um sistema universal de saúde financiado pelo governo, na China os tratamentos médicos dependem, basicamente, do investimento das famílias. Mesmo nos hospitais públicos é preciso pagar por consultas e tratamentos, ainda que estes sejam subsidiados por Beijing.

Quase impenetrável às inovações da indústria de internet em todo o mundo, o setor de saúde ensaia uma transformação graças a inovações propostas por empresas como a We Doctor, que conta com a não interferência do governo chinês, que dá liberdarde para a startup inovar em um setor tão regulado, na esperança de encontrar uma fórmula sustentável para financiar o sistema de saúde chinês, o mais populoso do mundo.

Enquanto uma consulta com um especialista pode custar o equivalente a R$ 1,5 mil em grandes centros como Xangai e Shenzhen, a We Doctor oferece consultas a baixo custo para pacientes que aderirem a uma assinatura mensal do serviço, algo como um seguro-saúde hightech.

A aplicação permite agendar consultas e exames de rotina pelo app e armazena, em nuvem, todos os resultados laboratoriais e relatórios médicos. Usuários do serviço também devem "parear" wearable gadgets com a aplicação do We Doctor, que monitora o peso do corpo, histórico familiar e prática de exercícios. Todos os dados são processados, anonimamente, por algoritmos de inteligência artificial, que podem enviar alertas com dicas de alimentação e lembretes sobre o momento de se fazer um novo check-up.

Uma vez por mês, o app conversa, por linguagem natural, com o paciente segurado para fazer perguntas de rotina. Caso alguma informação pareça inconsistente, o usuário é "transferido" para um médico de verdade, que o atende por videoconferência.

De acordo com Jerry Liao Jieyuan, fundador da We Doctor, as consultas virtuais são muito mais simples e econômicas e podem detectar doenças em fase inicial ou descartar visitas desnecessárias a prontos-socorros, o que ajudaria a diminuir filas e custos.  Se o bate-papo virtual indicar necessidade, uma consulta real é agendada.

Exames podem ser solicitados já na consulta virtual e são realizados em policlínicas que funcionam diuturnamente, como forma de amortizar os caros equipamentos médicos, que passam a ser usados em sua carga de trabalho máxima prevista em manual.

De acordo com Jieyuan, a plataforma permite integrar ao sistema de saúde milhões de chineses que, antes, não contavam com ajuda alguma e diminuir custos ao automatizar processos e reservar o (caro) tempo dos médicos chineses para casos em que, de fato, eles são fundamentais. Em um país com milhões de pessoas vivendo, ainda, em regiões remotas, como o Tibet e as províncias do Oeste, a telemedicina também promete evitar que doenças graves, como casos de câncer, só sejam detectados quando o paciente tem sintomas muito evidentes.

A health tech chinesa é investida pela Tencent, empresa que controla o onipresente app WeChat, instalado em 10 de cada 10 smartphones chineses, o que lhe permitiu ganhar base de usuários rapidamente, já que o We Doctor pode funcionar como um mini app dentro do We Chat.  Segundo a companhia, os dados médicos dos pacientes são invioláveis e, por contrato, jamais podem ser cedidos ou vendidos a terceiros.

Apesar da promessa de segurança total, muitas são as dúvidas sobre a real proteção destas informações, uma vez que o armazenamento em nuvem pública ainda é uma tecnologia sujeita a falhas, bem como são incertos o grau de acurácia de um algoritmo para fazer triagem de pacientes que devem (ou não) passar com um médico… virtual.  Em que pesem tantos porém, a perspectiva de baratear o acesso à saúde para uma população de 1,4 bilhão de pessoas é alentador.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.