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Felipe Zmoginski

China x EUA: região chinesa está prestes a superar o Vale do Silício

Felipe Zmoginski

12/03/2019 04h00


Shenzhen é limpa, moderna, criativa e admirada pelo MIT: nem sempre foi assim

Um estudo publicado, esta semana, pelo prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, afirma que a região de Shenzhen, no sul da China, caminha para cumprir uma missão que a Califórnia nunca pode atender: a de ser ao mesmo tempo polo de empreendedorismo, inovação e fabricação de produtos de alta-qualidade.

Não se trata de diminuir a importância criativa do Vale do Silício, mas apenas admitir que a Califórnia, depois de criar, nunca foi capaz de executar os processos fabris necessários para produzir drones, smartphones, equipamentos de realidade virtual ou mesmo simples telas LCD, forçosamente terceirizando a produção para chineses, coreanos e, cada vez mais, indianos, economias mais capazes de produzir mais por custos menores.

O estudo do MIT, no entanto, acaba por fazer um reconhecimento ainda mais doloroso para as mentes inovadoras do Vale do Silício: Shenzhen equiparou-se à baía de São Francisco em capacidade de criar e desenvolver tecnologias disruptivas. Tal conclusão seria uma blasfêmia se dita por qualquer mortal há, digamos apenas seis ou sete anos.

Shanzai – Em minha primeira visita a Shenzhen, em 2012, o que vi nas ruas da megalópole de Guangdong foi o que os estudiosos de China chamam de "Era Shanzai", o momento histórico em que a incipiente indústria local de eletrônicos fabricava cópias baratas (e de péssima qualidade) de produtos ocidentais. Um clássico nas barraquinhas de Huanqianbei, o shopping local de quinquilharias, eram o HiPhone ou os MP4, MP5 ou MP6 que, pelo nomes, já anunciavam serem muito mais completos que vulgares tocadores de MP3.

Formalização e Movimento Maker – Como consequência da entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), a realidade "copy cat" foi sendo rapidamente substituída pela formalização dos fabricantes de eletrônicos, que cada vez eram menos livres para copiar e mais pressionados para atingir os patamares de controle de qualidade e design do Ocidente.

Um dos momentos mais difíceis para a economia de Shenzhen foi, justamente, este salto rumo a patamares de qualidade de classe mundial. Fundos de investimento chineses gastaram fortunas para comprarem escritórios de design italianos, alemães e finlandeses, a fim de trazer para casa a técnica e o know how dos Ocidentais. Algumas compras, de fato, foram bem sucedidas. Outras tantas, porém, fracassaram em função das abissais diferenças culturais entre a matriz chinesa e os designers europeus.

HiPhone a venda no TaoBao: uma China de cópias baratas que ficou no passado

A onda de formalização fez também centenas de startups e pequenos fabricantes falirem, incapazes que foram de competir dentro de regras minimamente civilizadas, como projetar um carregador que não explodisse após um mês de uso ou produzir um smartphone que, em todo seu projeto, não desrespeitasse nenhuma patente internacional.

O resultado da carnificina resultou, no entanto, em uma nova China capaz de apresentar ao mundo, nos últimos anos, produtos admirados globalmente por sua qualidade e inovação, como as conexões 5G da Huawei, os smartphones da Xiaomi, os drones incrivelmente estáveis da DJI e os carros elétricos da BYD.

No estudo do MIT, pesquisadores americanos chamam atenção para a capacidade de execução invejável dos chineses, que retiram um produto de sua case conceitual para lançá-lo no mercado em prazos que variam de 11 a 12 semanas. A mesma análise aponta que, nos Estados Unidos, corporações de tecnologia levam entre 12 e 18 meses para elaborar e fabricar um novo produto.

Some-se a tantos fatores o fato de os maiores volumes de venture capital posicionarem-se na Ásia, o que dá a China também condições de decidir qual projeto receberá financiamento, o que inevitavelmente beneficia projetos chineses, em detrimento de startups americanas ou europeias.

Ao voltar a Shenzhen no final de 2018 e encontrar as frotas exclusivas de carros e ônibus elétricos, os skyscrappers do bairro OCT, as empresas de robóticas e inteligência artificial que sequer existiam quando visitei a cidade pela primeira vez, fica evidente que, num espaço de 6 anos, a região transformou-se radicalmente.

É verdade, todavia, que o ritmo de transformação está perdendo fôlego em Shenzhen, bem como em toda a China, agora assentando-se em "modestos" 6% de crescimento ao ano, metade dos 12 pontos percentuais registrados no ano 2000. A desaceleração do mercado interno traz, consigo, um novo desafio, similar à época da "formalização" da indústria local, desta vez pressionando as empresas nacionais a se internacionalizarem.

Se é verdade que Shenzhen já se equipara à baía de São Francisco (ou até a supera) em múltiplos critérios, há um aspecto em que o Ocidente ainda ganha de goleada: a construção de marcas globais e a execução de estratégias de marketing que tornem suas marcas objetos de desejo, status e prestígio. Nesse quesito, será difícil desbancar a áurea mitológica do gadgets com a etiqueta "designed in California".

Como sabemos, no entanto, mitos existem para serem desconstruídos.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.