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Felipe Zmoginski

Trabalhar 12h por dia, 6 dias na semana? Empresas de tech estão na berlinda

Felipe Zmoginski

24/04/2019 04h57


Tempo demais no trabalho faz produtividade cair e mais erros acontecerem

996 é um código bem conhecido dos colaboradores de empresas chinesas de tecnologia. No vocabulário do meio, os números são uma referência à rotina de trabalho que se inicia às 9 horas da manhã, segue até às 9 horas da noite e se repete 6 vezes por semana, oferecendo apenas o domingo como descanso.

O excesso de trabalho é visto, por boa parte da sociedade local, como um trunfo dos chineses contra competidores do resto do mundo. São mais rápidos, mais produtivos e muito mais esforçados, dizem entre si. Nas últimas semanas, no entanto, ganhou notoriedade nos fóruns de internet do país um inédito movimento chamado "anti-996", que contesta as jornadas excessivamente longas e imputa a elas problemas como queda na produtividade dos desenvolvedores e a ocorrência de falhas e erros, cometidos por pessoas exaustas.

O site GitHub, uma popular fonte de prospecção de talentos para companhias tech, tem sido o cenário principal das queixas dos chineses, que já se espalham em conversas por WeChat e sites de notícias. O fato é relevante por seu relativo ineditismo. Por décadas, o excesso de trabalho foi encarado como um sacrifício necessário para construir uma China rica, poderosa e inovadora. Em um país sem sindicatos atuantes e liberdade de organização trabalhista, a recente onda de queixas online é um evento significativo.

A onda de queixas já fez nomes brilhantes da tecnologia chinesa, como a fabricante Xiaomi e o serviço de classificados online 58.com, anunciarem programas para redução das jornadas.  O argumento central dos "rebeldes do 996" é que a cultura tech local pressiona os trabalhadores a ficarem horas demais no trabalho, apenas para parecerem esforçados. Mesmo quando não há tarefas que justifiquem sua presença, eles permanecem em suas mesas, vendo vídeos ou conversando online com amigos, uma vez que ser visto indo embora para casa antes de seus chefes comprometeria sua "imagem profissional".

De fato, é praxe nas empresas chinesas permanecer em seu posto mesmo que as tarefas do dia tenham se esgotado.  Não há pagamento de horas extras ou adicionais pelas horas a mais e as superjornadas são, muitas vezes, recompensadas na forma de mimos ou troféus de valor simbólico, como medalhas, ingressos para shows e outras formas de as empresas "reconhecerem" a dedicação de seus colaboradores mais dedicados.

O fato de a economia chinesa ficar mais rica e seus trabalhadores mais qualificados, no entanto, têm pressionado as empresas locais a modernizarem seu conceito de dedicação, como já sinaliza, por exemplo, a nova política da Xiaomi.  Reter os melhores talentos, mesmo na supercompetitiva sociedade chinesa, exigirá também dar mais tempo livre aos colaboradores. Para quem conhece a cultura corporativa chinesa, trata-se de uma mudança cultural significativa.

Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.