Novo mercado para youtuber? Live de compras bomba e fatura bilhões na China
Quem tem 40 anos (ou mais) deve se lembrar do sucesso que nomes como Ciro Botini fizeram no Brasil nos anos 90 ao ancorar programas de vendas ao vivo no canal Shoptime. Produtos revolucionários que prometiam emagrecimento rápido ou arrumar a casa sem esforço eram anunciados em clima de festa e urgência. "Compre logo, está acabando". "A promoção é só para os primeiros 20 espectadores".
O modelo eletrônico que ascendeu com a disseminação das TVs a cabo logo declinou, com o surgimento da internet e dos sites de compra. Há um lugar do mundo, a China, onde as compras online atingiram seu desenvolvimento pleno. Afinal, é na nação asiática que 48% dos pedidos emitidos eletronicamente em todo o mundo são feitos, os meios de pagamento são carteiras digitais que dispensam cartões de crédito e o sistema de logística para entrega funciona com maior eficiência. Pois, justamente lá, o método de vender ao vivo, desta vez pela web, tornou-se uma febre nacional. Chamado de "live commerce", a tecnologia deve ser responsável por vendas de US$ 123 bilhões em 2020, mais do que o dobro dos US$ 60 bilhões faturados em 2019, de acordo com projeção da consultoria chinesa ChoZan.
O método de venda consiste, basicamente, em unir o que Botini fazia nos anos 90 às ferramentas de internet. Especialistas, influenciadores e celebridades digitais passam 12, 14, 16 horas por dia, ao vivo, testando produtos, comentando sobre suas características e, eventualmente, entretendo sua audiência, com canções ou dancinhas, por exemplo. E, claro, oferecendo links para venda.
Plataformas como o Taobao Live (Alibaba), Douyin (TikTok) e Kuaishou (Kwai), juntas, controlam 80% deste mercado na China que, para muitos especialistas, representa o futuro do e-commerce, já que milhões de usuários preferem tirar dúvidas e interagir com os vendedores online a fazer uma compra sozinhos, sem "curadoria", em marketplaces apinhados de ofertas tão variadas que, às vezes, é difícil achar o que se precisa.
O live streaming, que já era uma tendência em ascensão no país, ganhou impulso com a pandemia de covid-19 e a expansão da rede 5G no país. Com boa conexão e sem poder sair de casa, 524 milhões de chineses terão assistido a conteúdos de live streaming só este ano, calcula o instituto iResearch.
Segundo o Alibaba, a cada dia, 300 mil lojistas fazem transmissões ao vivo em sua plataforma. De um modo geral, a navegação no e-commerce não foi alterada, mas quando o usuário se interessa por algum produto, logo vê a mensagem em seu navegador, "a marca ou a loja está em transmissão ao vivo". Quem acessa, então, assiste em tempo real ao que um influenciador patrocinado ou o profissional da marca está falando sobre o produto. E, claro, interage com ele.
Uma estratégia recorrente das empresas é reforçar a lembrança de marca (branding), ao invés de promover produtos diretamente, em lives com celebridades variadas. Nessas transmissões, elas se aproveitam para mostrar linhas futuras de produtos, colher impressões dos consumidores e relacionar-se com eles.
Para criação de "conteúdo ao vivo", tornou-se comum, no país, a figura do KOE (em inglês, Key Opinion Expert), um especialista formador de opinião. O motivo é que as empresas identificaram a necessidade de dar mais profundidade às apresentações que fazem. Muitos representantes corporativos se destacaram agregando profissionalismo, conteúdo técnico e comercial ao produto.
O que até pouco tempo parecia ser uma "modinha chinesa" restrita a segmentos como cosméticos, moda e eletrônicos, ganhou espaço em múltiplas indústrias. Até casas foram vendidas desta forma. Em 24 de abril, o Evergrande Group, uma das maiores empresas imobiliárias da China, reuniu mais de 3,8 milhões de espectadores no seu canal ao vivo e acumulou mais de 7 milhões de curtidas durante uma única apresentação que misturava dicas de decoração e cuidados com a casa. Ao fim do streaming, 38 contratos de venda de apartamentos foram fechados.
Segmentos não relacionados a vendas e compras têm aproveitado o gosto chinês pelo streaming para atrair audiência para si. Em fevereiro, a construção do primeiro hospital para covid, em Wuhan, aquele feito em seis dias, foi transmitido ininterruptamente ao vivo, com milhões de usuários acompanhando em tempo real o andamento das obras.
Em março, o Palácio de Potala – antiga residência do Dalai Lama, agora transformada em museu – transmitiu uma visita ao vivo para 800 mil pessoas conectadas. A excursão virtual era conduzida por um guia e mais seis especialistas culturais da instituição, que davam detalhes e entravam em salas que normalmente não eram apresentadas em visitas físicas.
Enquanto as plataformas de live streaming dos países ocidentais se concentram em jogos e entretenimento, na China as empresas foram além e se transformaram no grande canal de vendas do e-commerce. Será este também o futuro do e-commerce do lado de cá?
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