Shenzhen realiza 'utopia' de ter toda frota de ônibus e táxis elétricos
Felipe Zmoginski
11/12/2018 04h44
Frota de ônibus de Shenzhen é maior que a de SP e 100% elétrica
Você certamente já leu em algum lugar que a China é o maior poluidor do mundo, o que é verdade. O que talvez nem todos tenham tido a oportunidade de ler é que a China é também o país que mais investe em energias renováveis e uma de suas maiores cidades, Shenzhen, tornou-se, há alguns meses, a primeira metrópole do mundo com 100% das frotas de ônibus e táxis movidas a energia elétrica.
Em minha última visita à China, viajando desde o norte (Beijing) até o sul (Shenzhen) é claramente perceptível que a qualidade do ar é muito melhor na cidade sulista. Uma das explicações é que o clima de Beijing, com menos chuvas e ventos, dificulta a dispersão de poluentes, o que leva milhares de cidadãos a circular diariamente com máscaras nos metrôs, ruas e avenidas.
Se na outra ponta do país o clima litorâneo colabora com a dispersão de gases tóxicos, também concorre para a boa qualidade do ar o programa de substituição de veículos a gasolina e diesel por frotas 100% elétricas, concluída no início de 2018. Segundo a administração da cidade, todos os 17 mil ônibus que circulam no município são elétricos; o mesmo percentual vale para a frota de 12,6 mil táxis rodando por Shenzhen.
Experiências similares, de substituição de veículos movidos a diesel por elétricos, existem em muitas partes do mundo, mas sempre limitadas a "experiências-piloto" ou em cidades com populações modestas. Não é o caso de Shenzhen, município onde vivem 12,5 milhões de pessoas, de acordo com dados de 2017 da província de Guangdong, onde fica a cidade. Para efeito de comparação, São Paulo tem 12,11 milhões de habitantes, de acordo com dados do IBGE de 2018. Ambos os números refletem a população dos municípios e não das regiões metropolitanas.
5 mil carregadores em 510 estações garantem abastecimento dos ônibus
Em termos de tamanho, Shenzhen se parece com a capital paulista. Aqui, há 13,6 mil ônibus (um pouco menos que na cidade chinesa), mas é radicalmente diferente em termos de infraestrutura. Em Shenzhen, há 155 quilômetros de metrô, em São Paulo, menos de 100. A cidade chinesa leva vantagem, ainda, na quilometragem de ciclovias e no uso de motos e bicicletas elétricas.
Paradoxalmente, há apenas uma década Shenzhen era não só menor como mais poluída que São Paulo e, de acordo com a administração municipal da cidade chinesa, a adoção de carros elétricos em massa começou "apenas" em 2009, quando o município foi indicado para compor a lista de "13 cidades-modelo" a substituir sua matriz elétrica suja por limpa, o que incluiu, por exemplo, a troca de toda iluminação pública por lâmpadas de LED.
Ao usar táxis pela cidade, fui apanhado sempre por modelos da E6, da fabricante chinesa BYD, todos com menos de dois anos de uso. Um LED no painel do veículo exibe a rota que o motorista faz, sua foto e identificação, inibindo golpes e elevando a segurança dos passageiros. De acordo com a prefeitura local, um ganho na substituição da frota a gasolina por elétrica foi a diminuição da formação de ilhas de calor, geradas pela emissão de gases, e a menor poluição sonora, uma vez que motores elétricos fazem muito menos ruído. O mesmo vale para os ônibus que, a exemplo dos táxis, são climatizados. Em uma cidade em latitude similar a do Rio de Janeiro, em que os verões podem marcar 40 graus, os ganhos são evidentes.
BYD E6: modelo pode rodar 300 km com uma única carga
Para viabilizar a adoção de carros elétricos, o governo federal e local da China ofereceram subsídios que diminuíram em até 50% o volume de impostos cobrados sobre veículos elétricos em comparação com carros tradicionais. Como as taxas devem crescer progressivamente para penalizar carros particulares a gasolina, estima-se que antes do fim de 2020, 100% da frota de veículos privados na cidade também seja elétrica.
Um ônibus elétrico, chamado de "carregamento lento" pode levar até 9 horas para ter as baterias totalmente carregadas. No caso de automóveis, este número flutua entre 30 minutos (carga básica) até 4 horas (carga cheia). Para viabilizar a frota elétrica, a cidade de Shenzhen criou garagens de ônibus com mais de 5 mil carregadores disponíveis e postos elétricos nos pontos de paradas de táxis na cidade. Há 500 pontos em que taxistas podem parar e esperar uma corrida (invariavelmente chamada por app) enquanto abastecem.
Interior de um BYD E6: roda e dados do motorista no LED
De acordo com a prefeitura local, cada ônibus roda, em média, 174 quilômetros por dia na cidade, ao longo de até 14 horas de uso e, no intervalo, é limpo e recarregado nas garagens. Já os táxis rodam, em média 273 quilômetros por dia. Para ambos os casos, a autonomia de uma carga cheia é mais do que suficiente, já que um ônibus pode rodar 200 km com uma única carga e um E6 cerca de 300 km.
O caso de Shenzhen, além de baixar drasticamente a poluição do município, gerou uma economia de escala que fez baixar os preços de carros e ônibus elétricos, há uma década considerados produtos muito dispendiosos para o uso em massa. O custo mais acessível deve permitir que novas cidades, como Guangdong e Nanjing, na China, se tornem também 100% elétricas, além de colocar a fabricante BYD em posição de vantagem para ganhar a corrida global pela exportação de carros elétricos.
Sobre o autor
Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.
Sobre o Blog
Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.