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Atacada por estar no topo, Huawei não deve pedir revanche chinesa à Apple

Felipe Zmoginski

28/05/2019 04h31


Os incríveis smartphones P30: canetada americana bloqueia avanço do rival

Políticos, advogados, profissionais de marketing e de comunicação são constantemente treinados para escolher palavras bonitas e criar narrativas elegantes que transformem atitudes desprezíveis em algo palatável.

Não há registro, por exemplo, de um país que tenha ido à guerra com a motivação, ao menos declarada, de pilhar as riquezas de seu rival. No mundo das relações públicas, ninguém é malvado. Age-se sempre em nome da liberdade, da democracia, do bem comum ou de qualquer outro valor que possa ser publicamente defendido.

Nos últimos dias, uma sequência impiedosa de decisões jogou a fabricante chinesa de equipamentos telecom e smartphones Huawei contra as cordas. O governo americano a colocou em uma lista de malfeitores, o Google anunciou que não fornecerá suas tecnologias para a empresa chinesa e aliados americanos, como a britânica ARM, cortaram suas relações comerciais com a parceira asiática. A justificativa oficial para tamanha agressão é que a Huawei espionaria empresas, governos e cidadãos do Ocidente.

Sabemos que o dia a dia das corporações não é feito por anjos imaculados. As recorrentes acusações de espionagem, no entanto, nunca foram comprovadas. Se a Huawei é, assim, tão malvada, porque diabos não se apresentam seus pecados? Afinal, quais segredos os chineses roubaram? Em uma guerra comercial, não seria um duro golpe expor os crimes de seu competidor? Talvez isto não tenha acontecido pelo singelo motivo de que não há provas. O mesmo, aliás, não se poderia dizer de seis ou sete empresas de tecnologia americanas, conforme atestam os aterradores documentos publicados pelo ex-agente da CIA Edward Snowden, que vive sob asilo na Rússia.

As reais motivações americanas podem ter mais a ver com o fato de a Huawei e a China terem se tornado competidores difíceis de bater. A Huawei já é o maior fabricante mundial de equipamentos de telecom e o segundo maior fabricante de smartphones, atrás apenas da Samsung.  A empresa chinesa é também líder no desenvolvimento de banda larga 5G, tecnologia que vai assegurar a quem tiver seu controle bilhões de dólares anuais em royalties e a geração de centenas de milhares de empregos qualificados.  Dominar o 5G é como descobrir petróleo –não por acaso, uma commodity responsável por muitas guerras pelo mundo.

Obviamente, a Huawei não está sozinha na perseguição americana. Outras empresas chinesas, como a Hikvision, podem entrar na lista maldita dos americanos, com inegáveis prejuízos comerciais para a China. É um jogo conhecido. Não há registro de país hegemônico, ao longo da história, que tenha aceitado passivamente a ascensão de um rival. Trata-se de um conflito inevitável e a Huawei sempre soube disso. Não à toa, a companhia tem na gaveta o Hongmeng, seu sistema operacional próprio.

Partidários da China nesta guerra sugerem a Beijing alguma retaliação: por exemplo, banir os produtos da Apple do precioso mercado chinês. Seria um duro contragolpe, mas eu apostaria que isto não ocorrerá, bem como é improvável que os Estados Unidos mantenham o banimento da Huawei. Em uma negociação, às vezes é preciso falar duro para depois ceder e, mesmo que seja um ator imprevisível, Trump possivelmente está só botando pressão no adversário.

Por décadas, a China acumulou saldos comerciais incrivelmente favoráveis em sua relação com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que segue protegendo importantes setores de seu mercado doméstico. Ou alguém já acessou o Facebook a partir de seu quarto de hotel, em Beijing?  Se os americanos chamam a defesa de seu mercado de "guerra contra a espionagem", a China por sua vez dá o nome de "segurança nacional" à restrição que faz às empresas de tecnologia do Vale do Silício. São nomes pomposos que mascaram a simples e mesquinha defesa de mercados. Nesta disputa, a China é ao menos mais transparente, ao passo que seu rival americano faz pose de defensor do livre mercado. Livre só até a página dois.

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Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.