China cria criptomoeda própria e avança para matar o dinheiro em papel
Felipe Zmoginski
29/04/2020 04h00
Captura de tela do "Digital Renminbi", criptomoeda testado pela China (Reprodução)
Há quase três anos, em setembro de 2017, a China proibiu o uso de bitcoins no país, chegando até a impedir sua mineração. Na época, muitos analistas registraram que o plano chinês era criar sua própria criptomoeda, centralizando uma tecnologia que, no caso do bitcoin, é livre e descentralizada.
Esta semana, o Banco do Povo da China (BPC), equivalente ao Banco Central deles, anunciou que já testa uma criptomoeda soberana, o "Digital Renminbi", nome da moeda local. Funciona como um bitcoin, só que de forma centralizada e com lastro em dinheiro de verdade, emitido pelo BPC.
A medida, que já era estudada por Pequim há meses, teria sido acelerada por conta da epidemia sanitária. Como se sabe, o coronavírus pode resistir por horas em superfícies duras e a probabilidade de transmissão via dinheiro físico é alta, já que notas de papel e moedas são frequentemente tocados. O anúncio é um golpe fatal no dinheiro de papel, que já circula em volume diminuto no país, uma vez que a China é o maior mercado de mobile payment do mundo e a maior parte das operações financeiras do dia a dia está concentrada em serviços como AliPay e WeChat.
De acordo com o BPC, a circulação da nova criptomoeda está sendo conduzida em ambiente fechado e não vinculado ao sistema de emissão e circulação de moeda soberana. Neste momento, o criptodinheiro pode ser usado apenas nas cidades de Shenzhen, Suzhou e Chengdu, além da província de Hubei, epicentro original da crise de covid.
O Banco do Povo informou, via comunicado, que será o único emissor do "renminbi digital" e oferecerá inicialmente a moeda virtual para bancos comerciais ou outros operadores financeiros. Então, esses agentes do sistema econômico poderão transferir o dinheiro das contas bancárias de seus correntistas para uma versão digital e depositar esses recursos em "carteiras eletrônicas", segundo o texto oficial da instituição.
Para evitar a emissão excessiva de dinheiro, as instituições comerciais devem reservar provisões equivalentes às suas participações em dinheiro digital, acrescenta a autoridade. "Em curto prazo, a moeda digital do Banco do Povo não será emitida em grandes quantidades para o público e a velocidade do dinheiro em circulação não será influenciada ou levará a um aumento da inflação", informa a instituição, que publicou texto em sua conta oficial do WeChat. Uma vez que a moeda digital emitida pelo governo será lastreada pelo Banco do Povo, terá valor tão estável quanto o dinheiro em espécie.
Uma das vantagens do criptodinheiro chinês e que ele poderá ser transferido de um smartphone para outro por proximidade, sem necessidade que nenhum dos aparelhos esteja conectado à internet no momento da operação. Este método é distinto do usado por AliPay e WeChat, que exigem conexão com a internet para efetuar transações.
Segundo Mu Changchun, chefe do instituto de pesquisa de moeda digital do Banco do Povo, o objetivo é que a tecnologia seja tão simples que possa se popularizar até entre as pessoas mais simples ou que não tenham internet ativa. Na prática, um golpe fatal no dinheiro de papel.
Regulação de criptomoedas
O contágio viral por meio de dinheiro físico não é uma preocupação exclusivamente chinesa. Bancos centrais de diversos países estudam formas de garantir segurança em relação ao manuseio do dinheiro e o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) vem fazendo recomendações a respeito das criptomoedas. O BIS é uma organização conhecida como o "banco central dos bancos centrais".
"A pandemia destacou o valor de ter acesso a diversos meios de pagamento e a necessidade de qualquer meio de pagamento ser resiliente contra uma ampla gama de ameaças", disse Raphael Auer, economista do Departamento Monetário e Econômico do BIS.
Como se vê, mais uma vez, vivemos sob a hipótese de países ocidentais adotarem um modelo experimentado antes na China. Copy from China.
Morador de rua pede esmola com mobile payment em Pequim (Reprodução)
Errata: A província chinesa citada no texto chama-se Hubei, e não Hebei, como estava escrito anteriormente.
Sobre o autor
Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.
Sobre o Blog
Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.