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Como é o esquema chinês de investimento do Estado em tecnologia e inovação?

Felipe Zmoginski

09/07/2020 04h00

Centro de controle de fonteiras usa tecnologia da CloudWalk, que tem apoio de venture capital estatal (Divulgação/Cloudwalk)

Um estudo publicado esta semana pela consultoria chinesa Zero2IPO revelou que a maior parte do dinheiro disponível para apoiar a inovação e soluções "disruptivas" vem de diferentes órgãos do Estado chinês, sejam universidades públicas, governos de províncias ou mesmo fundos diretamente criados por bancos estatais.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, a China é a segunda maior fonte de venture capital no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Neste enorme mercado, 74% dos fundos de private equity são privados e "apenas" 26% são públicos. O fato novo é que o Zero2IPO contabilizou o dinheiro aplicado por cada um destes fundos na China e publica, em seu relatório, que apesar de nominalmente em menor número os fundos "estatais" controlam 60% do dinheiro disponível para investimentos de risco na China.

Quando realizou sua "abertura para o capitalismo", nos anos 1980, a totalidade dos fundos de risco era estatal, número que foi "reduzido" para 70% em 2014. Seis anos depois, há tantos fundos privados que, percentualmente, pouco mais de um quarto destes fundos é controlado pelo Estados chinês. O que sabemos agora, no entanto, é que os números só mudaram na aparência. Na prática, em 2014, 59% dos investimentos vinham dos fundos públicos. Agora, são 60%.

Os números revelados pelo relatório demonstram que o sucesso chinês, líder em múltiplas áreas da inovação, como machine learning, aplicações de reconhecimento facial, redes 5G e novos modelos de negócio, notadamente em setores como "economia compartilhada", deve-se muito ao incentivo do Estado, ainda que a execução e inventividade dos projetos inovadores fique a cargo de empreendedores privados.

A forte participação do Estado no financiamento da inovação acaba por orientar em quais áreas o país deve avançar mais no futuro. Atualmente, os fundos estatais têm como meta fomentar a indústria de semicondutores, novos materiais e soluções de internet das coisas, bem como aplicações baseadas em uso intensivo de inteligência artificial (IA).  Há quatro anos, por exemplo, a Cloudwalk, uma empresa de reconhecimento facial com sede em Guangzhou, sul do país, recebeu o equivalente a US$ 200 milhões de um fundo público. O motivo? Era um interesse do Estado, à época, tornar o reconhecimento facial popular no país, objetivo, aliás, que foi alcançado.

Projeção para promover investimentos em Shenzhen (Divulgação/ Fundação para Promoção do Investimento em Shenzhen)

Grandes transnacionais como Softbank e corporações privadas, como Alibaba e Tencent, são importantes "players" nesta indústria. Mas, todos juntos, os fundos privados ainda não chegam à metade do dinheiro de capital de risco oferecido no país.

A estratégia chinesa, já experimentada com sucesso antes em mercados menores e diferentes escalas, como Cingapura e Coreia do Sul, tem o benefício de empurrar, a fórceps, o país rumo à inovação. Por outro lado, há um inegável problema de credibilidade e transparência. Afinal, quem são as pessoas que tomam as decisões de investimento nestes fundos? Por que escolhem a empresa A e não a B para ser abençoada com o ouro de Pequim?

O temor de serem acusados de má conduta ou mesmo corrupção, faz os gestores destes fundos estatais, por vezes, serem excessivamente conservadores, o que pode ser um tiro no pé de um fundo que leva em seu sobrenome a palavra "venture" ("risco"). Os gestores não têm medo apenas de perderem os recursos aplicados, mas também sua reputação. Se não, sua liberdade.

O que seria um paradoxo capaz de levar ao fracasso a ideia de fomentar a inovação via fundos públicos, por vias tortuosas, tem dado certo, haja visto a liderança mundial da China na formação de novos unicórnios.

O segredo chinês, no fundo, é bem simples. Os private equities privados investem primeiro, assumem mais riscos e lucram muito mais em suas saídas. E os fundos públicos acabam (quase sempre) entrando em momento de risco reduzido, têm menos chance de perder, mas também ganham menos. Para tais fundos, cujo objetivo maior é cumprir as metas de desenvolvimento econômico e inovação planejadas por burocratas em Pequim, não é tão ruim lucrar menos.

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Sobre o autor

Felipe Zmoginski foi editor de tecnologia na revista INFO Exame, da Editora Abril, e passou pelos portais Terra e America Online. Foi fundador da Associação Brasileira de Online to Offline e secretário-executivo da Associação Brasileira de Inteligência Artificial. Há seis anos escreve sobre China e organiza missões de negócios para a Ásia. Com MBA em marketing pela FGV, foi head de marketing e comunicações do Baidu no Brasil, companhia líder em buscas na web na China e soluções de inteligência artificial em todo o mundo.

Sobre o Blog

Copy from China é um blog que busca jogar luzes sobre o processo de expansão econômica e desenvolvimento de novas tecnologias na China, suas contradições e oportunidades. O blog é um esforço para ajudar a compreender a transformação tecnológica da China que ascendeu da condição de um país pobre, nos anos 80, para potência mundial.